sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Poema

Natal de Quem?


Mulheres atarefadas

Tratam do bacalhau,

Do peru, das rabanadas.


-Não esqueças o colorau,

O azeite e o bolo-rei!


-Está bem, eu sei!


-E as garrafas de vinho?


-Já vão a caminho!


-Oh mãe, estou pr'a ver

Que prendas vou ter.

Que prendas terei?


-Não sei, não sei...


Num qualquer lado,

Esquecido, abandonado,

O Deus-Menino

Murmura baixinho:


-Então e Eu,

Toda a gente Me esqueceu?


Senta-se a família

À volta da mesa.

Não há sinal da cruz,

Nem oração ou reza.

Tilintam copos e talheres.

Crianças, homens e mulheres

Em eufórico ambiente.

Lá fora tão frio,

Cá dentro tão quente!


Algures esquecido,

Ouve-se Jesus dorido:

-Então e Eu,

Toda a gente Me esqueceu?


Rasgam-se embrulhos,

Admiram-se as prendas,

Aumentam os barulhos

Com mais oferendas.

Amontoam-se sacos e papeis

Sem regras nem leis.

E Cristo Menino

A fazer beicinho:

-Então e Eu,

Toda a gente Me esqueceu?


O sono está a chegar.

Tantos restos por mesa e chão!

Cada um vai transportar

Bem-estar no coração.

A noite vai terminar

E o Menino, quase a chorar:

-Então e Eu,

Toda a gente Me esqueceu?

Foi a festa do Meu Natal

E, do princípio ao fim,

Quem se lembrou de Mim?

Não tive tecto nem afecto!


Em tudo, tudo, eu medito

E pergunto no fechar da luz:


-Foi este o Natal de Jesus?!!!


João Coelho dos Santos

(in Lágrima do Mar - 1996)

Sem comentários: