quinta-feira, 21 de março de 2013

Editorial

Buona sera, meu Pai

Escrevo-te estas linhas naquele dia que (quase sempre) passávamos juntos – bastava levar-te um bolo daqueles saborosos e farfalhudos para ver a tua cara de boa disposição. Neste dia para quem poderiam ser as minhas linhas a não ser para ti?
Estamos na azáfama de fechar mais uma edição do Região do Castelo, tarefa trabalhosa mas de igual modo aliciante e gratificante. O jornal lá vai indo, bem distante das dificuldades que tão de perto acompanhaste – bem sabes que é sobretudo por Penela que o mantenho, bem como por esta paixão pelo jornalismo que me conheces desde muito novo. Chagámos à edição n.º 100, marco de um percurso difícil e de muita luta e persistência. Eu sei que festejaste – ouvi-te! Festejaste mais que alguns Penelenses? Acredito, mas é a vida…
Terás estranhado a forma como te cumprimentei. Com ousadia, utilizei as mesmas palavras com que o novo Papa saudou o mundo. Sim, temos um novo Papa, um homem calmo, tranquilo e bem disposto, despojado de bens materiais, e que traz uma nova esperança a este planeta onde muito poucos continuam a querer só para si o que deveria ser de todos. Irias adorar o seu discurso simples, o seu sorriso tranquilo, as suas palavras de fé e esperança, o seu convite à oração e ao perdão. Bem, esqueço-me que onde estás já saberás certamente quem é este Papa Francisco, que disse querer “uma igreja pobre e para os pobres”.
Pobre está este Portugal onde nasceste e viveste. Desemprego, fome, miséria. Partidos à parte, a situação traz-me à memória as acaloradas discussões sobre o primeiro-ministro de então, que tu defendias e eu “atacava”. Com a tua experiência vivida, talvez pressentisses que o pior ainda estava para vir…
O atual “primeiro” herdou uma situação muito difícil, é certo, que já vem mais ou menos do ano em que partiste - sim, há mais de três anos que vozes pouco ouvidas alertavam para os perigos que corriam as contas públicas portuguesas. Mas se há medidas que, mesmo penalizadoras, acabam por receber a concordância do Povo, ciente de que há que arrepiar caminho para corrigir erros passados, outras chocam pela incoerência e pela insensibilidade. E por estarem sempre a favor dos mais poderosos. Ficarias triste, se cá estivesses, por constatar que há crianças privadas de alimentação, sentindo a mesma fome que no “teu tempo” tu e muitos da tua geração também sentiram. Sim, eu sei que sentado no teu sofá, em frente ao televisor, já lhes terias dito das boas…    
Um dado positivo, que também os há, e para que fiques ciente que cuidamos da tua Amélia e de uma forma geral de todos os idosos e idosas: as famílias portuguesas são as que mais cuidam em suas casas de idosos dependentes – se calhar sabes tão bem como eu que, lido à letra, se trata de um estudo que aponta mais aspetos negativos que positivos, mas ainda assim falo-te pelo melhor prisma. Porque, apesar de tudo, somos um povo apegado a valores e laços que nunca deveriam ser quebrados. Como diz o ministro Vítor Gaspar, somos o melhor povo do mundo. Não sabes quem é esse Gaspar? Como te hei de explicar… Terei de recuar muitos anos para encontrar alguém parecido. O Robin dos Bosques? Não, Pai! Então esse tirava aos ricos para dar aos pobres! Ah, estavas a brincar… E afinal sabes tudo o que se passa cá em baixo? Ainda bem! Quero-te aqui!
Buona Sera, meu Pai!

António José Ferreira    

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